True Blue: DuPont e a Revolução das Cores

Os coloristas criadores de tendências do Duco Color Advisory Service, da DuPont, foram profetas da revolução das cores, orientando as corporações e os consumidores a escolher os matizes para tudo, desde os pára-lamas dos carros até as bancadas de cozinha.

Em agosto de 1926, Irénée du Pont, vice-presidente da EI du Pont de Nemours and Company, escreveu para Henry H. Bassett, gerente geral da divisão Buick da General Motors Corporation (GM), com uma proposta. Durante o início da década de 1920, a DuPont e a GM, ambas sob a liderança de Pierre S. du Pont, desenvolveram o acabamento Duco, uma laca automotiva de secagem rápida, durável, barata e colorida. Mais recentemente, os coloristas corporativos da DuPont criaram uma paleta distinta para a GM. Agora, o gigante automotivo, que usou o acabamento Duco em muitos de seus carros, estava tentando atrair o colorista de primeira linha da DuPont, H. Ledyard Towle, para sua divisão Fisher Body. Naturalmente, Irénée du Pont respondeu.

Towle dirigiu o Duco Color Advisory Service da DuPont em Nova York, recebendo pedidos de empresas automobilísticas e aconselhando-as sobre estilo e cor. O serviço de consultoria aprimorou a reputação da DuPont como uma empresa confiável que atendia às necessidades dos clientes, ao mesmo tempo em que protegia suas decisões estéticas. Se a Towle fosse partir para a GM, o relacionamento da DuPont com outras montadoras poderia ficar comprometido. Era imperativo que Towle – e os segredos comerciais de Detroit sobre cor – permanecessem na DuPont.

campanha save the surface
Detalhe, anúncio publicitário “Save the Surface”, The Literary Digest, 11 de fevereiro de 1928. (Fonte: Regina Lee Blaszczyk)

As deliberações da DuPont-GM sobre Towle coincidiram com grandes mudanças na prática de design corporativo durante a década de 1920. Empresas que fazem todos os tipos de produtos, de potes e panelas a aviões e automóveis, experimentaram maneiras de aumentar as vendas. Os esforços incluíram publicidade em massa, venda em prestações, mudanças no modelo – e merchandising nas cores. A popularidade da Color como ferramenta de negócios levou a Fortune, a nova revista corporativa do país, a publicar um artigo de 1930 intitulado “Colour in Industry”, descrevendo um “mundo repentinamente caleidoscópico”, no qual a cor funcionava como “um vendedor mestre, um distribuidor extraordinário”. A Fortune deu um nome atraente a essa mudança monumental: a revolução das cores.

Nesse contexto, a DuPont precisava do expertise de coloristas como Towle. Tradicionalmente, a indústria da moda define as tendências de estilo em cores e outras seguem. Interpretar cores da moda para Detroit exigia habilidades especiais. Os coloristas corporativos tiveram que amenizar os tons às vezes escandalosos gerados pelos costureiros parisienses para se adequar aos estilos de vida casuais e aos gostos variados dos americanos. Outra restrição veio de fabricantes, que demandavam um custo/benefício. Fabricantes de automóveis foram pegos entre as eficiências de preto e uma explosão descontrolada de cores dispendiosas. A regra das médias acabou por dominar o grande mercado do consumidor mediano, o maior público de carros coloridos. Os americanos da classe média compartilhavam o desejo de ter padrões de vida mais elevados, mas eram divididos por renda, educação, etnia e classe social. A cor comercial tornou-se uma ferramenta para expressar essa tensão sutil; os coloristas corporativos da DuPont eram os homens que mediavam o terreno.

Inovação Duco
As primeiras cores da Duco se originaram de uma parceria DuPont-GM que canalizou talentos gerenciais, de engenharia e científicos entre as duas empresas. No início de 1922, as empresas começaram a adaptar o Viscolac, um verniz de nitrocelulose da DuPont usado para a pintura de lápis, em uma nova laca, a Duco, adequada para acabamentos de automóveis. Até o início da década de 1920, o único acabamento automotivo durável e barato era o famoso esmalte preto processado em alta temperatura que Henry Ford usava em seu modelo T. Os carros de luxo, como o Cadillac e o Rolls Royce, vinham em uma variedade de cores pintadas à mão, mas mesmo aqueles vernizes desbotavam, lascavam e riscavam. Alfred P. Sloan, que havia se tornado presidente da GM em maio de 1923, acreditava que os consumidores que comprassem carros mais baratos apreciariam uma gama de opções de cores, especialmente se as pinturas durassem. A montadora Oakland Motor Car Company, decidiu pintar todos os sete de seus carros de turismo em 1924 com a Duco; cada um com dois tons de azul, listras acentuadas de vermelho ou laranja. Este tratamento “True Blue” fez sua estréia em Oaklands no Salão do Automóvel de Nova York em dezembro de 1923, concessionárias e consumidores responderam à nova dimensão estética e à promessa de um melhor desempenho técnico. No início de 1924, as os pedidos abundaram nos showrooms da GM; “O Duco se tornou tão popular”, relatou um executivo, “que os clientes agora estão exigindo isso”. Reconhecendo que o Duco era uma sensação, Sloan recomendou que a GM o aplicasse a todos os modelos. Em meados de 1925, as divisões da GM, da Chevrolet à Cadillac, estavam deixando de lado os vernizes e esmaltes testados e aprovados em favor da Duco.

O Duco teve várias vantagens em relação aos revestimentos tradicionais. Os vernizes mais antigos eram escovados em mais de uma dúzia de passos e precisavam de longos períodos de secagem entre as pinturas. O Duco com spray de secagem rápida reduziu os estágios, o tempo de secagem, os custos de mão de obra e o espaço de armazenamento. Vernizes tradicionais ficavam lascados, rachados, craquelados e desbotados; a laca Duco era quase invencível. Tolerava ar, sol, chuva, lama, umidade, calor, frio, água salgada, bactérias, transpiração, sujeira, sabões e detergentes. A maioria dos acabamentos baratos vinham em poucas cores, enquanto a Duco disponibilizou um arco-íris de tons. Junto com a mudança anual de modelo e a compra em prestações, o novo acabamento agregou valor à linha automotiva da GM.

Mesmo antes da estréia da True Blue, os observadores, com os dedos no pulso do mercado dos consumidores, exigiam carros coloridos e populares que correspondessem aos gostos dos consumidores em moda e design de interiores. A revolução das cores que varreu a América nos anos 1920 construiu transições que estavam em andamento há 75 anos. Durante a era dourada, empresas químicas inglesas e alemãs introduziram corantes sintéticos que usinas americanas usavam para fabricar têxteis em uma variedade de matizes permanentes e brilhantes. As impressoras usavam a cromolitografia para gerar cartões comerciais coloridos e cartazes para os anunciantes, bem como fotos decorativas para as casas das pessoas. Até mesmo as ruas comerciais anunciavam novos matizes, já que os supermercados da A&P e da Woolworth adotaram fachadas vermelhas nos estabelecimentos como parte da marca da cadeia de lojas. Essas novidades aguçaram os olhos e aguçaram o apetite pela cor.

O sucesso da True Blue fez com que as indústrias automotiva e química levassem a estética a sério. Fabricantes de tintas como a Egyptian Laca Manufacturing Company e a Valentine and Company, determinados a não serem superados pela DuPont, apresentaram suas próprias tintas, vernizes e lacas coloridas. Além das montadoras, os pintores de oficinas locais adotaram acabamentos de nitrocelulose para repintura de carros. Empresas como Murphy Varnish e Ditzler Color desenvolveram guias cromáticos para ajudar os pintores personalizados a entender os mistérios da cor. Dispositivos que simplificaram a seleção de cores democratizaram as decisões estéticas, que há muito eram atribuídas a artistas e donas de casa. Esses guias mostravam homens, de altos executivos à mecânicos de oficinas, exatamente o que a beleza poderia fazer pelo comércio e como sua gestão adequada poderia estimular as vendas no mercado de automóveis segmentados.

O Serviço de Consultoria da Duco Color
A princípio, a DuPont continuou vendendo a Duco para mais fabricantes de automóveis e oficinas de reparos. No início de 1925, seus clientes incluíam cinco divisões da GM e quatorze outras montadoras. Naquele ano, a DuPont vendeu mais de 3,7 milhões de litros de Duco por cinco dólares cada. Tecnicamente, o Duco superou a concorrência e o futuro parecia brilhante. No entanto, os gerentes da DuPont que conheciam as cores se sentiam desconfortáveis, sabendo que a empresa de produtos químicos precisava acompanhar continuamente a crescente sofisticação dos consumidores.

Em janeiro de 1925, dois gerentes da DuPont discutiram a necessidade da empresa por conselhos práticos sobre a psicologia das cores, como forma de antecipar os grandes modismos das cores. A DuPont deu um salto cromático em outubro de 1925, quando contratou Towle e criou o Duco Color Advisory Service para projetar as mais recentes e desejáveis ​​combinações de cores para a indústria automobilística. Nascido no Brooklyn, Towle estudou pintura no Instituto Pratt e na Art Students League. Durante a Primeira Guerra Mundial, ele aproveitou bem seu treinamento artístico como membro do célebre Corpo de Camuflagem do Exército dos EUA. Depois disso, adaptou-se ao crescente mundo da publicidade, trabalhando sequencialmente como diretor de arte de três agências de Nova York: HK McCann, Frank Seaman e Campbell-Ewald. Na Seaman ele também atuou como executivo encarregado da conta da DuPont e como executivo de representação da Cadillac, Oldsmobile, La Salle e Pontiac – todas divisões da GM.

Na década de 1920, grandes agências de publicidade de Nova York se autodenominaram como empresas de serviço completo, preparadas para ajudar os clientes a conceituar campanhas, escrever textos, criar obras de arte, projetar produtos, estimular a publicidade e conduzir pesquisas com consumidores. Seus departamentos de arte mostraram aos clientes como aproveitar o apelo das cores em anúncios impressos e projetos de produtos. Nesta capacidade, como Towle recordaria mais tarde em um relatório anual, ele “trabalhou pela primeira vez em cores com a indústria automotiva em 1924”, quando era “o único engenheiro de cores atuando no comércio de automóveis”. O pintor transformado em diretor artístico parecia um ajuste perfeito aos planos da DuPont de racionalizar a incipiente esfera das cores.

Os anúncios da Duco Color Advisory Service em revistas especializadas como Autobody afirmavam que o profissionalismo do serviço ajudou a DuPont a identificar combinações de cores “conhecidas por agradar à média”, que Towle e sua equipe de especialistas em cores souberam “escolher com confiança”. Isso significava amarrar os acabamentos da DuPont às tendências da moda européia, mantendo a Duco a par dos gostos em transformação e projetando esquemas de pintura que melhorassem as formas automotivas.

Para cumprir a primeira missão, Towle viajava para a Europa a cada outono, onde visitou o British Motor Show no Olympia em Londres e o Salon de l’Auto em Paris. Lá, ele estudou os carros novos e as pessoas elegantemente vestidas e relatou ao Duco Color Advisory Service, que os reformatou como um press releases. Os relatórios de Towle sobre a cor circulavam na cultura popular americana, enquanto jornais de todo o país publicavam suas descrições animadas e envolventes. “Toda Paris é louca por cor!” Towle declarou no Tribune Providence no final de 1926. O Grand Palais, que hospedou o Salon, parecia em chamas em laranjas quentes e laranjas queimadas. Em bulevares animados, autos do “haute monde e o demi-monde” rodopiavam em “esquadrões de cores agradáveis… como uma corredeira de montanha no final de um arco-íris.” Às vezes, Towle fazia compras de alta costura, fazendo anotações em desfiles para artigos sobre tecidos da alta costura. No outono de 1926, ele solicitou esquemas de pintura automotiva aos principais costureiros de Paris. Esses figurantes se voltaram para o glamour dos carros americanos: Lucien Lelong combinava tons de verde e pêssego em um roadster, enquanto o brilho de Madeleine Vionnet para carros esportivos a levou a decorar um em “tons de Dekkan Brown e London Smoke”. A lista cresceu enquanto Towle via nuances de cores em todos os lugares; ele entendeu seu lugar no sistema da moda e procurou explicar seu significado.

Por volta das férias de inverno, Towle retornou à Nova York para o National Automobile Show, onde fabricantes de carros americanos exibiram as mais recentes características de engenharia, acessórios, estofados e esquemas de cores. Entre os destaques no show nacional de janeiro de 1926 estavam 12 Lincolns decorados em tons espetaculares adaptados da plumagem de raros pássaros americanos e tropicais: o tanager verde do Equador, o cuco-lobo do Haiti, o pica-pau amarelo da Venezuela e muito mais. Um ano depois, as cores no show foram ainda mais estupendas. A “produção em massa”, relatou Towle no Brooklyn Standard Union e no Pittsburgh Gazette-Times , havia percebido que “todo o país está se interessando mais pelo uso da cor”. As fábricas de automóveis manejaram habilmente os pincéis, exibindo carros com esquemas de dois tons em “belas harmonias atraentes e quentes”. Eles fizeram para-lamas, suportes de janela, coberturas de pneus traseiros e estofamentos para combinar com o resto do carro. Com satisfação, Towle descreveu o National de 1927 como “o ponto alto da harmonia de cores”.

Esse tumulto de cor levou a alguns erros de projeto, e Towle estava ciente destes problemas. Algumas montadoras foram à loucura com as novas cores de nitrocelulose, arruinando bons modelos com trabalhos de pintura imprudentes. Abraçando uma abordagem forma-segue-função, Towle acreditava que um esquema de cores deveria ter alguma relação com a forma do carro. Os melhores trabalhos de pintura, explicou Towle em um artigo da Brooklyn Standard Union em 1927, acentuaram a forma da máquina e ocultaram suas falhas de projeto. “Listras longas e vigorosas ao longo da moldagem da parte inferior” fizeram um modelo “parecer mais longo”. Por que não, Towle postou, passar a faixa na frente do carro? Quando as pessoas se maravilhavam com as novas rodas multicoloridas da National 1927, Towle sugeriu que elas poderiam gostar dos efeitos policromos que acentuavam a forma do carro. Towle era um médico estético com um estetoscópio e um receituário. Seu paciente era a indústria automobilística visualmente ingênua; seu remédio, cor aplicada judiciosamente.

Towle assume as cores da GM
Entre 1925 e 1928, a Towle trabalhou arduamente para colocar o Duco Color Advisory Service em pé firme. Ele ficou com a DuPont em 1926, apesar das aberturas da GM. Em julho de 1928, no entanto, ele aceitou a oferta da montadora líder e mudou-se para Michigan. Lá ele trabalhou como o primeiro engenheiro de cores da GM e provavelmente cofundou sua Seção de Arte e Cor com o extravagante construtor de Hollywood Harley J. Earl.

Como colorista chefe da GM, Towle divulgou uma previsão mensal composta de uma circular animada sobre tendências gerais de estilo e um apêndice estatístico listando as vendas de carros por cor. As circulares de Towle foram além de uma lista básica de cores de carros mais vendidos; suas tabulações detalhadas mostraram que as escolhas do consumidor variavam de região para região e de modelo para modelo. Em uma circular da GM de junho de 1929, por exemplo, ele revelou que 87% dos compradores da Pontiac no Noroeste do Pacífico preferiam tons de azul. No Nordeste, apenas 17% dos compradores de Buick gostaram do azul. As comparações continuaram. Sempre cético, explicou Towle no periódico da Society of Automotive Engineers que ele verificou a opinião dos revendedores em relação ao gosto do público como “revelado nos periódicos, nos jornais e no rádio sobre roupas, móveis de casa e outros artigos”. Suas antenas de moda sempre foram sintonizadas no canal do consumidor. Muito do método de Towle se baseava em fatos concretos, mas muito também dependia da experiência, da intuição e do senso comum.

Towle passou dois anos mostrando à GM como lidar com as questões escorregadias de estilo, moda e bom gosto. Em 1930, porém, ele deixou a GM para retornar à agência Campbell-Ewald, desta vez para o escritório de Detroit, onde se especializou em publicidade ao ar livre, incluindo outdoors e cartazes. Ele estava mais feliz em unir cores, design e publicidade. Em 1934, tornou-se diretor fundador da Divisão de Design Criativo e Cor da Pittsburgh Plate Glass, que criava esquemas de cores para eletrodomésticos, layouts para showrooms e vitrines, novos tons para tintas e vernizes e de publicidade da empresa. Ele permaneceu uma figura importante na revolução das cores e ampliou sua influência com seus projetos para indústria, comércio e arquitetura.

Duco simplificado com cores Munsell
O sucessor de Towle no Duco Color Advisory Service foi outro colorista, Howard Ketcham. Membro da alta sociedade nova-iorquina, Ketcham cresceu em Manhattan e em Long Island e frequentou a prestigiada St. Paul’s School e a Amherst College. De 1925 a 1927, ele seguiu os passos de Towle, trabalhando como diretor de arte de HK McCann enquanto estudava na New York School of Design. Em 1927 ele se juntou ao escritório Duco, onde trabalhou até 1935. Então ele fundou a Howard Ketcham, Inc., uma consultoria de cores no Rockefeller Center.

A Ketcham herdou da Towle um serviço de consultoria de cores que enfatizava o valor de mercado da beleza praticada nas artes industriais. Inicialmente, a Ketcham continuou esses esforços através de um projeto conjunto com a Cheney Brothers, uma fábrica de seda que entendia o sistema da moda. A estratégia de Cheney era centrada em um portfólio de cores de três níveis: “novidades”, ou novos itens sazonais, linhas de “segunda temporada” e “populares”. As novidades de alta moda, desmembradas das previsões de cores da empresa, renderam a maior parte dos lucros. Ao longo dos anos, o diretor de vendas de Cheney, Paul Thomas, foi muito amigo dos interesses da DuPont, fornecendo à empresa previsões de cores para a seda. Agora ele esperava que uma ligação com a DuPont confirmasse o status de Cheney como líder do setor. O Duco Color Advisory Service, por sua vez, esperava aprender algo sobre design e marketing de alto nível.

No final de 1928, a DuPont anunciou um conjunto de cores de carros Duco com base na previsão de Cheney para o outono seguinte. Incluía a Red Shadow Red, “um vermelho amarelado adequado para uso com marrom ou bege, como uma cor aros ou para listras,” e Sea Bubble, “um bege natural desenvolvido pela indústria da seda que recebeu grande aceitação no mercado comercial têxtil, bem como na indústria automotiva. ” Havia também as cores Pewter Pot, Blu-Gray, Gray Gull, Bay Tree, Verdancia, Water Glo e Lei Orange. A paleta de Cheney-DuPont continuou a missão da Towle de aumentar o capital cultural da DuPont com linhas de alta classe.

Mas embora Ketcham reconhecesse a importância das artes industriais, este colorista da DuPont também adotou as práticas da profissão de engenharia (mais tarde ele foi chamado de pai da engenharia de cores). Alarmada com o portfólio de 7.500 cores da DuPont, a Ketcham simplificou a razão de ser do Serviço de Consultoria da Duco Color. O truque estava em determinar quais cores ressoavam na classe média, de modo a melhorar a eficiência e aumentar as vendas. Em seus oito anos como colorista chefe da DuPont, Ketcham se concentrou em racionalizar as previsões de cores e reduzir radicalmente a paleta Duco.

O primeiro passo da Ketcham foi criar o Automobile Color Index, uma análise quantitativa mensal das vendas da Duco. Essa ferramenta de previsão híbrida deve seu rigor analítico à Towle e à GM e seu respeito pela moda à Cheney. Emulando Cheney, Ketcham dividia as cores Duco em três grupos: padrão, estilo e popular. Começando no verão de 1929, Ketcham rastreou esses três grupos e mediu a ascensão e queda de famílias de cores, tais como vermelhos, marrons e amarelos. Sua pesquisa revelou como a Grande Depressão afetou os hábitos de compra dos consumidores. Em 1933, o preto estava de volta aos negócios, um grande desafiante para o azul. O Automobile Color Index resumiu essas tendências em tabelas e gráficos elaborados e exibiu o conhecimento estatístico do novo colorista chefe da DuPont.

Em seguida, a Ketcham lançou o tributo completo da DuPont à engenharia de cores: Duco Calibrated Colors, uma paleta de 290 matizes cuidadosamente selecionadas. Em 1932, as empresas americanas de pintura tinham 11.500 cores automotivas diferentes em seus inventários. Não havia lógica por trás desse crescimento, decorrente da falta de planejamento. Muitos fabricantes de laca ainda ofereciam cores que ninguém encomendou há vários anos. Mas o maior problema está nas práticas de fabricação. Alguns produtores acharam difícil controlar reações químicas em suas fábricas, gerando “até 80 variações de uma cor original”. As montadoras de carros atarefadas exacerbaram o problema quando aceitaram os lançamentos off-color. As coisas também pioraram quando as empresas de automóveis trocaram os fornecedores de tinta, que tentaram, sem sucesso, igualar as cores dos concorrentes. O resultado final foi um número crescente de incompatibilidades.

Ao criar as Cores Calibradas Duco, a Ketcham adotou o prático sistema de medida de cor da Munsell Color Company para descrever matiz, valor e croma. Enquanto Towle apoiava uma psicologia da cor, Ketcham enfatizou fatos concretos. Escrevendo para o comércio de tintas, ele descreveu uma harmonia de dois tons de maneira simples e direta: “Cor prevalente um marrom claro. O caráter de tal marrom pode ser melhorado através do uso de luz, verde azulado claro como uma ênfase de listras. O marrom é na realidade um fraco tom de vermelho. O verde azulado é o complemento do vermelho. O uso de uma cor com seu complemento tende a intensificar as duas cores”. Essa linguagem de eficiência tinha valor de mercado. O uso do sistema Munsell por parte da Ketcham refletia a nova percepção da Duco de que a cor podia ser domada, controlada e empacotada.

Ironicamente, o plano de simplificação de Ketcham se enquadrava diretamente nas artes industriais, onde Albert H. Munsell fez sua pesquisa pioneira. Durante a década de 1920, o Laboratório de Pesquisa Munsell e a Munsell Color Company realizaram pesquisas fotométricas com o Bureau of Standards e divulgaram seu sistema entre escolas e empresas. Entre 1928 e 1930, Walter M. Scott, antigo químico-chefe de Cheney, trabalhou como diretor de serviços da Munsell Color Company. Scott usara o sistema Munsell na usina de seda de Cheney, o que levou a sua entusiástica promoção dele como uma ferramenta estética para os negócios. No início da década de 1930, o método prático de medição de cores de Munsell estava rapidamente se tornando o padrão aceito nas artes industriais, e Ketcham provou ser sábio ao adotá-lo para a DuPont.

Nos 10 anos entre a chegada de Towle e a partida de Ketcham, a DuPont experimentou uma notável transformação na prática de cores. Seus temperamentos e técnicas diferiam, mas ambos tinham pressupostos comuns e reconheciam a responsabilidade fundamental do colorista no mercado dos compradores. “É tão caro estar muito à frente da tendência de cor quanto não é lucrativo ficar para trás”, escreveu Ketcham na revista Industrial Finishing. “Então, o fabricante ou revendedor que deseja atender os mercados quando eles iniciam faz bem em determinar antecipadamente a escolha das cores pelo público.” Os coloristas experientes aprenderam, assim, a seguir as pistas do mercado, observando as mulheres vestindo vestidos de Paris ou analisando as vendas de Buicks azuis. Eles foram, em suma, “obrigados a manter-se a par da consciência de cor do consumidor”.

Porquê True Blue importava
A história da DuPont e a revolução das cores revelam muito sobre o funcionamento interno do sistema de moda durante a era moderna. A DuPont descobriu que não havia nada de fácil nos negócios da moda. Os homens do mercado de tintas achavam difícil mensurar o consumidor feminino instável e volúvel. No final, a DuPont seguiu o comércio têxtil, que, como outras indústrias de produção em lotes, aperfeiçoou um sistema de mediação do consumidor. O gigante químico em crescimento até adotou o sistema de cores Munsell mais favorecido nas artes industriais.

Conforme a DuPont padronizou a paleta Duco, a empresa ajudou a estabelecer novas regras básicas para a inovação de design em bens duráveis. Em meados da década de 1930, as escolhas de cores Duco incorporavam os gostos no grande meio-termo – o mercado de massa – enquanto permitia variações. Blue agradou aos conservadores, mas o popular vinha em muitas listras. Além do True Blue, havia centenas de outros ‘blues’ [azuis], todos voltados para a variedade de gostos populares. Essa seleção permitiu aos consumidores da classe média sinalizar as diferenças entre si.

A proliferação de sistemas de previsão chega ao cerne da questão. Não havia uma maneira melhor de prever o apelo das cores com precisão, porque não havia um gosto único ou uma única categoria de produtos. No entanto, seja nos têxteis ou nos automóveis, as paletas como um todo tinham apelo popular, e as cores individuais tinham um pouco de distintividade. Cada um foi projetado para trabalhar com uma linha específica de produtos. Uma mulher pode usar um terno Rosa Choque de Elsa Schiaparelli por décadas, mas um carro Fire Red ficava logo cansativo. Cópias exatas de cores de alta costura pareciam estranhas em para-lamas, portas e estofados. Homens como Towle e Ketcham explicaram por quê. Quando os coloristas industriais falavam, as corporações ouviam e, em meados da década de 1930, os especialistas em cor tinham uma posição na cultura empresarial americana.

Este artigo baseia-se na pesquisa de um novo livro,The Colour Revolution, financiado pela Edelstein Fellowship da CHF e pela National Endowment for the Humanities Fellowship for 2007–2008.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( luisbrudna@gmail.com ) do original ‘True Blue: DuPont and the Color Revolution’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

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Esperança química

usos do polietilenoglicol
O polietilenoglicol, graças às suas propriedades sedentas pela água, encontrou uma ampla variedade de usos desde sua criação em 1859. Aqui o produto químico é usado por conservadores em Portsmouth, Inglaterra, para estabilizar os restos de Mary Rose, um navio de guerra construído por Henry VIII e afundado pelos franceses em 1545.

Texto escrito por Sam Kean

Uma molécula usada em anticongelante pode um dia curar medulas espinhais danificadas.

Pesquisas sobre lesões na medula espinhal às vezes parecem fúteis. Durante o século passado, milhões de horas de trabalho e incontáveis ​​milhões de dólares de pesquisa foram despejados no campo – e todo esse esforço produziu exatamente zero tratamentos para danos na medula espinhal. Como observou um neurologista, “seria difícil encontrar qualquer outro ramo da ciência com mais de um século de tal esforço estéril”. Mas na última década, essas perspectivas sombrias se iluminaram consideravelmente, graças a um produto químico simples chamado PEG.

PEG significa polietilenoglicol, um polímero de cadeia longa com uma incrível sede por moléculas de água. Foi criado em 1859 e desde então tem sido usado em uma variedade estonteante de produtos, incluindo creme dental, fumaça artificial e anticongelantes. Talvez o mais famoso seja que os arqueólogos usaram o PEG para proteger a frágil pintura dos guerreiros de terracota da China contra a umidade do ar e preservar os pedaços de madeira de antigos naufrágios. No último caso, os cascos de madeira emergem das profundezas salgadas, muito encharcados, muitas vezes com a consistência de papelão molhado. O PEG estabiliza a madeira e substitui as moléculas de água no interior das células da madeira, o que impede que as tábuas se encolham e se partam quando a madeira seca.

PEG tem usos na medicina também, mais comumente como laxante. Sendo uma molécula sedenta por água, o PEG impede que os intestinos reabsorvam a água nas fezes, o que mantém as fezes moles e pesadas e facilita a passagem.

Mais recentemente, empresas de biotecnologia usaram o PEG para criar anticorpos que combatem doenças. Anticorpos são normalmente produzidos por certos glóbulos brancos, mas essas células não crescem bem fora do corpo, tornando os anticorpos difíceis de produzir em massa. Dois cientistas finalmente contornaram essa limitação na década de 1970, misturando, entre outras coisas, o PEG com as células cancerígenas. César Milstein e Georges Köhler sabiam que as células cancerígenas, embora destrutivas dentro do corpo, crescem muito bem no laboratório. Então eles começaram a procurar maneiras de fundir células produtoras de anticorpos com células cancerígenas para aproveitar as boas características de ambos. Após uma tentativa fracassada de usar vírus, Milstein e Köhler conseguiram criar esses “hibridomas” com o PEG. O polímero parece promover a fusão de células, desidratando e quebrando suas membranas, forçando as células a entrar em contato e permitindo que fiquem juntas. O trabalho de Milstein e Köhler sobre produção de anticorpos lhes rendeu um Prêmio Nobel em 1984 e ajudou a gerar uma indústria multibilionária que produziu tratamentos para a doença de Crohn, artrite reumatoide, vários tipos de câncer e rejeições imunológicas em cirurgias de transplante.

A capacidade do PEG de fundir células também explica por que o polímero se mostra tão promissor no tratamento de danos na medula espinhal. Nervos fora da medula espinhal – que transportam sinais para seus membros e órgãos – podem crescer novamente, ainda que lentamente, depois de sofrerem danos. O tecido nervoso dentro da medula espinhal não cresce novamente após o dano, o que significa que as lesões da medula espinhal geralmente causam paralisia permanente.

Mas o PEG poderia contornar essa limitação. Quando aplicado a células espinhais danificadas, quebra suas membranas e permite que as células acima e abaixo do local da lesão se fundam. Como resultado, os sinais do cérebro – que uma vez se dissiparam no ponto de ruptura – agora podem cruzar o local da lesão e conectar o cérebro e a parte inferior do corpo mais uma vez.

Até agora, o PEG provou ser eficaz no tratamento da paralisia da medula espinhal em uma variedade de mamíferos, incluindo cães. Eu pessoalmente testemunhei a maravilha do PEG em ratos enquanto visitava um laboratório de pesquisa na China. Lá, observei dois alunos de pós-graduação cortarem cirurgicamente a medula espinhal de vários camundongos, o que deveria ter tornado suas patas traseiras inúteis. (Eles cortaram as espinhas no meio das costas.) Mas antes de costurar os ratos, os estudantes esguicharam ali algumas gotas de PEG dissolvido em água, uma solução com uma cor levemente âmbar [alaranjado]. Dois dias depois, esses ratos estavam andando novamente. Não perfeitamente: eles ainda balançavam um pouco. Mas, em comparação com os ratos de controle – que não receberam PEG e que estavam arrastando suas pernas mortas – os ratos PEG fizeram uma recuperação quase milagrosa.

No momento, o PEG continua experimental. O sucesso em animais de laboratório não garante o sucesso em seres humanos, e ninguém sabe até que ponto o PEG – que no laboratório costuma ser aplicado imediatamente após danos na medula espinhal – funcionaria em lesões de longa duração, muitas vezes cobertas de tecido cicatricial. (Cirurgiões talvez pudessem contornar isso fazendo cortes novos que reduzissem as cicatrizes). Mas o PEG e outras substâncias químicas que fundem as células (coletivamente chamadas de fusogênios) mostram uma genuína promessa. Somente nos Estados Unidos, 11.000 pessoas sofrem danos na medula espinhal a cada ano, sem perspectivas de melhora. Depois de um século de tal esforço estéril, vale a pena comemorar um modesto broto de esperança.

Texto escrito por Sam Kean.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( luisbrudna@gmail.com ) do original ‘Chemical Hope’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas e Lucas Capello.

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Nossas sugestões de leitura:
Síntese de dioxano partindo de etilenoglicol

A ciência da satisfação

fonte da imagem Flickr usuario Peter Thoeny
O sabor intrigante do caldo dashi levou ao químico japonês Kikunae Ikeda a isolar o umami. Apesar de ter sido descoberto há quase um século, o sabor ainda é um mistério.

Um gourmand japonês descobre o quinto elemento do sabor.

A pergunta parecia bastante simples: qual é o sabor dessa sopa? Kikunae Ikeda, um químico japonês, fez a si mesmo essa pergunta enquanto comia um de seus pratos favoritos, um caldo chamado dashi. Ele considerou cada um dos quatro componentes básicos do sabor, um a um – doce, amargo, salgado, azedo. Mas para sua surpresa, nenhum deles se encaixou. Ele podia sentir algo mais no dashi, algo além do quarteto usual. Mas o que? Essa pequena e incômoda questão logo revolucionária a compreensão científica do sabor – e transformaria os paladares dos seres humanos em todo o mundo.

Ikeda veio de uma família refinada – parte de um antigo clã samurai – que havia caído nos tempos difíceis no final do século XIX. Ele teve que vender sua cama para arranjar dinheiro suficiente para a faculdade, e deu aulas de Shakespeare, em inglês, em troca de dinheiro. Ele também era um pouco gourmand, e enquanto avançou em seus cursos de ciência, ele ficou atormentado pela química do sabor, especialmente aquela propriedade não salgada, não azeda, não doce e não amarga que ele sentiu no dashi.

O ingrediente principal de Dashi é uma variedade de kelp chamada kombu; quando Ikeda se tornou professor de química na Universidade de Tóquio, ele decidiu separar o kombu em seus compostos e isolar o sabor do dashi. Ele começou em 1907, fervendo 41 quilos de alga marinha em uma resina de alcatrão. Ele então retirou vários sais e compostos orgânicos nos meses seguintes até colher 28 gramas de cristais marrons. Eles pareciam grãos de areia, mas assim que ele experimentou um deles – bum! Aquele sabor delicioso do dashi irrompeu em sua boca. Análises revelaram que os cristais eram glutamato (ácido glutâmico), e Ikeda chamou esse novo sabor de umami, significando “esplendor” em japonês.

Durante a década seguinte, Ikeda continuou a explorar diferentes aspectos do umami. Primeiro ele procurou o glutamato em alimentos além de alga marinha. Dito e feito, ele encontrou altas concentrações em carne e peixe; queijos, especialmente queijo parmesão; e até no leite materno. (Ele também encontrou em certas plantas, como tomates e aspargos.) Essa descoberta fez sentido: adicionar até mesmo pequenas quantidades desses alimentos a pratos torna-os mais agradáveis e completos.

Este trabalho levou Ikeda a se perguntar por que saboreamos o umami em primeiro lugar. Todos os outros sabores básicos nos alertam para algo bom ou ruim na comida. Em geral, doçura significa energia de carboidratos; salinidade significa nutrição mineral; acidez significa ácidos, que são comuns em alimentos fermentados ou em decomposição; e amargor significa compostos alcalinos, que são comuns em plantas venenosas. Então, o que o umami sinaliza? Proteínas. O glutamato é um aminoácido, um dos blocos de construção das proteínas. Então, ao desenvolver um gosto pelo umami, os seres humanos poderiam detectar esse recurso escasso. De fato, podemos sentir o gosto do glutamato em concentrações 6 e 16 vezes menores, respectivamente, do que açúcar ou sal, indicando quão importante era encontrar proteína para nossos ancestrais. (Estranhamente, a maioria dos outros aminoácidos tem sabor doce ou amargo para nós, tornando o glutamato a melhor escolha como imitação de proteína). Cientistas no início dos anos 2000 finalmente colocaram a perspicácia de Ikeda em uma posição sólida, localizando receptores especializados em glutamato na língua humana.

Ikeda partiu para comercializar sua descoberta. A maioria dos japoneses na época tinha uma vida difícil como fazendeiros, e suas refeições consistiam basicamente de arroz e legumes. Ikeda pensou que criar um tempero baseado no glutamato tornaria a comida mais saborosa.

Por alguma razão, Ikeda decidiu não usar algas marinhas; em vez disso, ele usou trigo para produzir em grande quantidade o glutamato. Era um trabalho bagunçado e trabalhoso, mas em março de 1909, apenas dois anos depois de iniciar sua pesquisa, Ikeda tinha cristais isolados com 85% de pureza. Os trabalhadores então os esmagavam com martelos, borrifavam um pouco de sal e empacotavam o pó para venda. Ikeda batizou o tempero de Ajinomoto, significando em japonês “na origem do sabor”.

Hoje conhecemos a Ajinomoto por um nome diferente, glutamato monossódico ou GMS. É um dos temperos mais populares no mundo: os seres humanos consomem 2,2 bilhões de quilos por ano em todo o mundo, quase meio quilo por pessoa. (A maior parte do GMS é produzida atualmente usando fermentação bacteriana). E não é de admirar que seja tão popular. Como Ikeda sentiu, o umami satisfaz uma fome profunda dentro de nós. Muitas crianças de hoje aprendem que existem apenas quatro sabores distintos. Mas passe-lhes um pedaço de queijo ou um prato de sopa, e suas línguas lhes dirão outra coisa.

Texto escrito por Sam Kean.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( luisbrudna@gmail.com ) do original ‘The Science of Satisfaction’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas e Kamilla Vera.

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A química do azeite de oliva

azeite de oliva e a química
O canal ‘Reactions‘ da American Chemical Society (Sociedade Americana de Química) mostra um pouco da química e das maravilhosas propriedades do azeite de oliva.

O interessante é que uma das formas de aumentar a extração do azeite das olivas é com o uso do solvente hexano, e isso é feito em casos nos quais se deseja maximizar a conversão (com uma certa perda na qualidade).

Um dos componentes do azeite de oliva é o ácido oleico, mas normalmente faz parte de uma molécula maior, um triglicerídeo. Um manuseio inadequado durante a colheita e processamento pode levar á quebra dos triglicerídeos com consequente alteração na acidez e diminuição da qualidade do produto.

Veja estas e outras informações no vídeo abaixo.

Vídeo com legenda em português. Veja aqui como ativar a exibição.

Legenda e texto escritos pro Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( luisbrudna@gmail.com ).

Gelo Selvagem

baseball na neve
Soldados da Guarda Costeira dos EUA do quebra-gelo Northwind jogam beisebol no congelado Mar de Bering em 1953. (Fonte: Library of Congress)

No espaço ninguém pode ouvir o grito do gelo!* Por mais de 100 anos os cientistas têm descoberto e criado gelos exóticos e bizarros. Gelos que podem até queimar um buraco em você!

Uma história sobre o gelo pode parecer fora do lugar na edição de verão da Chemical Heritage, mas hoje vamos abraçar essa loucura. Esta é uma história sobre o gelo estranho – gelo que queima, gelo que afunda em vez de flutuar, gelo literalmente fora deste mundo. Então, se você tem uma bebida gelada na mão, dê uma olhada nos cubos em seu copo e deixe sua imaginação vagar, porque este é um lado do gelo que você nunca viu.

O gelo comum que você encontra em cubos de gelo – chamado gelo Ih , ou “gelo um-h” – é tecnicamente um mineral, uma vez que é inorgânico e tem uma estrutura cristalina regular. Especificamente, suas moléculas se organizam em uma rede de minúsculos hexágonos, uma simetria de seis eixos que, por fim, é subjacente à forma dos flocos de neve. Praticamente todo o gelo na Terra é de gelo Ih, e é uma coisa boa também! Seus hexágonos espaçosos o tornam menos denso que a água líquida; por isso flutua em lagos e estuários e, na verdade, isola abaixo criaturas aquáticas frágeis, protegendo-as do vento e do frio. Sem gelo Ih vida como a conhecemos não existiria.

Mas falar sobre gelo e mencionar somente o gelo Ih é como falar sobre o chocolate e mencionar somente o Hershey. Os gelos exóticos ainda são feitos de H2O, é claro, mas as moléculas individuais se libertam da camisa de força hexagonal e remodelam. Muitos sólidos podem sofrer um rearranjo similar. Se você já abriu um antigo beijo da marca Hershey e encontrou um cone marrom e esbranquiçado dentro da embalagem, viu o chocolate fazer exatamente isso. (Durante essa “floração do chocolate” as moléculas de cacau se comprimem, aumentando a densidade do chocolate e empurrando a gordura para a superfície.) Mas poucos sólidos podem formar tantas “fases” distintas quanto o gelo.

Os cientistas criam diferentes fases de gelo submetendo uma pequena amostra à pressões monstruosamente altas, milhões de vezes mais altas que a pressão atmosférica. E com pressões tão altas, o gelo pode permanecer sólido a temperaturas de milhares de graus – um verdadeiro gelo quente. Se você pudesse de alguma forma colocar pedaços desses gelos em um copo de água líquida, eles vaporizariam. (Imagine os truques em festas.) Em um nível molecular, a alta pressão deforma as ligações hexagonais, forçando as moléculas de H2O ficarem como losangos, tetrágonos e outras geometrias alternativas. A alta pressão também pode forçar as moléculas de H2O a se espremerem nos orifícios dos centros dessas formas, prendendo-as como insetos em minúsculas gaiolas. Essa ação aumenta a densidade e torna esses gelos pesados ​​o suficiente para afundar na água. Em pressões super altas, alguns químicos prevêem que o gelo se transforma em metal.

Os cientistas criaram os primeiros gelos exóticos, gelo II e gelo III, por volta de 1900; a lista agora se estende até o gelo XV, descoberto em 2009. A criação desses gelos é mais que um exercício acadêmico. As moléculas de gelo são mantidas juntas pelas mesmas ligações de hidrogênio que, entre outras coisas, mantêm as fitas de DNA juntas; então formar novos gelos ajuda a sondar a natureza desta ligação. Além do mais, enquanto gelo Ih domina a biosfera, outros gelos existem naturalmente. Um gelo estruturalmente semelhante aos diamantes, gelo Ic , provavelmente existe na atmosfera superior. Os interiores densos e quentes de Netuno e Urano provavelmente contêm pedaços de gelos não hexagonais, assim como os exoplanetas em volta de estrelas distantes, uma consideração potencialmente importante à medida que procuramos vida além do nosso Sistema Solar.

No universo em geral, no entanto, os gelos I a XV são vastamente superpovoados pelo chamado gelo amorfo, gelo cujas moléculas se organizam aleatoriamente, sem qualquer estrutura cristalina. Formas de gelo amorfo se formam no congelamento rápido no espaço profundo. As pepitas microscópicas desse gelo também tendem a parecer amorfas, já que não há moléculas suficientes para se manterem juntas em um cristal comum.

Essa transição do gelo amorfo para o cristal de gelo intrigou por muito tempo os cientistas, e alguns deles até tentaram determinar exatamente quantas moléculas são necessárias para formar um cristal de gelo genuíno. Isso pode parecer uma pergunta sem resposta – como perguntar em que ponto um homem perdendo os cabelos, um a um, fica careca. Mas acredite ou não, uma experiência no outono passado na Alemanha determinou a resposta.

O experimento envolveu a adição lenta de moléculas de H2O a um núcleo de átomos de sódio e a sondagem de quais comprimentos de onda de luz infravermelha eles absorveram. O gelo amorfo apresentou um pico de absorção em um determinado comprimento de onda; o cristal de gelo tinha um pico a um comprimento de onda ligeiramente maior. A mudança de um para o outro ocorreu de maneira surpreendentemente rápida. Abaixo de 250 moléculas, o pico amorfo dominou. Mas em 275 moléculas, o pico de comprimento de onda do cristal começou a surgir à medida que um cristal rudimentar tomava forma. Por 475 moléculas, esse pico sozinho dominou. Então, dependendo de onde você traçou o limite, apenas 0,000000000000000000008 gramas de água “contam” como cristal de gelo.

Isso é muito menor, é claro, do que até mesmo os pedaços pequenos ainda restantes no seu copo. No entanto, eles logo atravessarão esse limite e desaparecerão da existência. A meia-noite soará, e todas essas fantasias de gelo em chamas, gelo que afunda e gelo metálico vão evaporar. Pelo menos até os químicos do gelo descubram uma nova maravilhosa manifestação.

*Nota do tradutor: A expressão ´Ice scream’ pode ser traduzida como gelo gritar. Mas é também uma brincadeira com a sonoridade da palavra ‘ice cream’, traduzida como sorvete.

Texto escrito por Sam Kean.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( luisbrudna@gmail.com ) do original ‘Wild Ice’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

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Além da Primavera Silenciosa: uma história alternativa do DDT

comercial para o DDT
Um anúncio belga para o inseticida DDT, Insectoline. (Fonte: Science History Institute)

Como historiadora Elena Conis buscou uma compreensão mais clara de um dos produtos químicos mais infames do mundo, ela descobriu por que nossas histórias muitas vezes entram em conflito com os fatos.

No final da Segunda Guerra Mundial, Irma Materi deixou Seattle para a Coreia para se juntar ao marido, Joe, um coronel do exército. O casal e seu novo bebê se mudaram para uma casa de estuque branco com um telhado vermelho – e dezenas de cantos e recantos para os insetos se esconderem. Felizmente, Materi havia empacotado uma coisa para resolver o problema: um recipiente em forma de granada contendo o novo inseticida DDT, que ela borrifava em prateleiras altas, em cantos escuros e sob móveis e armários.

Poucos dias depois, os Materis receberam uma visita do destacamento do exército do DDT: um tenente e uma dúzia de homens usando macacões brancos com grandes recipientes de spray amarrados nas costas. Enquanto Materi se esforçava para levar as roupas, lençóis, utensílios e comida da família para a segurança, a equipe encharcou a casa com uma solução de querosene e DDT. Materi escreveu mais tarde sobre a experiência:

Ficamos no piso escorregadio e observamos o querosene pingando das luminárias. “Seria uma boa ideia não deixar o bebê tocar em nada com DDT nele”, sugeriu o tenente – e saiu enquanto eu ainda estava contemplando como o meu vaso coreano com o dragão de quatro dedos enfeitaria a parte de trás de sua cabeça.

O uso entusiástico do DDT pelos destacamentos do exército é uma parte familiar da história do pós-guerra do pesticida. O mesmo ocorre com as imagens do final dos anos 1940 e 1950, que mostram donas de casa norte-americanas encharcando suas cozinhas com DDT e crianças brincando no nevoeiro químico emitido pelos caminhões de aspersão municipais. Artigos de jornais e anúncios chamavam DDT de “mágica” e “milagre” – o que provavelmente explica porque Materi levou DDT em sua jornada transpacífica.

Mas artigos e anúncios também alertaram que o DDT era uma substância para ser manuseada com cuidado – e por isso havia limites para quanto DDT Materi toleraria em sua casa e por que alguns americanos, como a agricultora da Geórgia Dorothy Colson, não tolerariam o DDT em absoluto. Colson passou o final dos anos 1940 tentando lançar um movimento contra o DDT, convencido de que estava deixando os americanos doentes e matando filhotes e abelhas. Para ela, não fazia diferença que o pesticida tivesse – como declarou o comitê do Prêmio Nobel de 1948 – salvado a “vida e a saúde de centenas de milhares” de doenças transmitidas por insetos, como tifo, malária, febre amarela e peste. Onde essas doenças não ameaçavam as pessoas, argumentava Colson, o DDT não valia o risco.

A raiva de Materi com o uso excessivo do DDT e a rejeição direta de Colson ao pesticida não aparecem tipicamente na história do agora infame químico. Dos livros de história às recentes reportagens sobre o vírus Zika, relatos do DDT nos lembram que os americanos do pós-guerra estavam tão enamorados com o potencial do pesticida de matar pragas que carregavam doenças e destruíam colheitas que rapidamente e entusiasticamente o adotaram. Não foi levantada uma questão sobre sua toxicidade ou riscos a longo prazo, somos levados a acreditar, até que Rachel Carson os delineou em seu livro de 1962, Silent Spring [Primavera Silenciosa]. A história do DDT é frequentemente invocada não só porque o poderoso pesticida era considerado uma das tecnologias mais importantes que emergiram da guerra, mas porque ainda lutamos para controlar doenças mortais e debilitantes transmitidas por insetos – sendo o Zika o último caso em questão.

Simplificamos a história do pesticida porque essa versão despojada da história do DDT reforça nossa compreensão do passado. A poderosa capacidade do DDT de controlar doenças tornou o pesticida um herói da guerra, e seu desenvolvimento por cientistas americanos ainda é uma prova de que os Estados Unidos conquistaram seu status de superpotência em grande parte por meio de sua proeza científica e tecnológica. A aceitação do público pelo produto químico captura a fé americana no conhecimento científico no pós-guerra. E sua difamação por ambientalistas serve como uma ilustração poderosa e duradoura da virada antiautoritária da geração baby boomer. Aqui, em suma, é uma substância química cuja história ilustra algumas das mais profundas mudanças sociais e culturais na história dos EUA do século XX.

soldado dedetizando com ddt
Soldado em uma casa italiana pulverizando uma mistura de DDT e querosene para controlar a malária, em 1945. (Fonte: Museu Nacional de Saúde e Medicina)

Mas o que acontece se contarmos a história do DDT de maneira diferente, deixando de fora o comitê do Nobel, por exemplo, e, em vez disso, sintonizando o que Materi, Colson e americanos de mentalidade semelhante estavam dizendo durante o auge do pesticida? Este lado da história revela um público mais circunspecto sobre o DDT do que muitos dos especialistas e autoridades que promoveram seu uso. Esta versão revela uma cidadania acostumada a pensar em pesticidas como venenos mortais, preocupada com a toxicidade desse novo inseticida e incerta sobre como interpretar garantias de sua segurança. Esta história mostra que muitos americanos precisavam estar convencidos de que o DDT era uma tecnologia que vale a pena se adaptar para o uso em tempo de paz. E essa história questiona a afirmação de que a nação aceitou de todo o coração o DDT. Agências do governo (algumas mais do que outras) recorreram a ela com frequência cada vez maior, assim como nossa indústria agrícola industrializadora. O público americano aceitou o DDT também – mas de forma mais desigual do que fomos levados a acreditar.

O público americano ouviu pela primeira vez sobre o DDT no início de 1944, quando jornais de todo o país relataram que o tifo, “a temida peste que se seguiu após todas as grandes guerras da história”, não era mais uma ameaça às tropas americanas e seus aliados, graças ao novo pó “matador de piolhos” do exército. Em um experimento em Nápoles, Itália, soldados americanos dedetizaram mais de um milhão de italianos com DDT, matando os piolhos que espalhavam tifo e salvando a cidade de uma epidemia devastadora. Foi uma estreia dramática.

O DDT rapidamente começou a fazer sua mágica na frente doméstica também. Nos meses que se seguiram, jornais informaram que em testes de aplicações nos Estados Unidos o pesticida estava matando mosquitos transmissores de malária em todo o sul e preservando vinhedos do Arizona, pomares da Virgínia Ocidental, campos de batata do Oregon, campos de milho de Illinois e laticínios de Iowa – e até mesmo um histórica carruagem de Massachusetts que estava com estofamento infestado de traças. Floresceu uma visão em tempo de paz para o DDT: havia uma descoberta em tempo de guerra que previniria doenças humanas e protegeria os ‘jardins da vitória’, plantações comerciais e o gado de infestações ao transformar escolas, restaurantes, hotéis e casas em lugares mais confortáveis ​​e livres de pragas para as pessoas e seus animais de estimação.

O DDT era um veneno, mas era seguro o suficiente para a guerra. Qualquer pessoa prejudicada pelo DDT seria uma vítima aceita pelo combate.

Em outubro de 1945, a National Geographic fez uma exibição sobre o “mundo do amanhã”, no qual foguetes transatlânticos acelerariam a entrega de correspondências, lojas venderiam alimentos congelados de terras exóticas, roupas revestidas de plástico à prova d’água e “tubos” eletrônicos e “olhos” faziam de tudo, desde arrumar roupas até pegar ladrões. A saúde e a medicina também seriam muito melhoradas graças às lâmpadas esterilizantes, à penicilina e, é claro, ao DDT. “Mas os cientistas estão avançando com cautela no uso do DDT, porque também mata muitos insetos benéficos ”, acrescentaram os autores. Em uma foto de ilustração – uma imagem que agora é icônica – um gerador de neblina montado em caminhão cobria uma praia de Nova York com DDT enquanto crianças pequenas brincavam nas proximidades. O pesticida havia interrompido uma epidemia de tifo em Nápoles, diz a legenda, mas “também tem uma desvantagem: mata muitos insetos benéficos e inofensivos, mas não mata todas as pragas de insetos”. Colheitas, flores e árvores dependentes de polinizadores poderiam morrer, assim como aves e peixes.

frascos com veneno DDT
Uma amostra de recipientes de DDT da coleção do Instituto de História da Ciência. (Fonte: Instituto de História da Ciência)

Em tempo de guerra, o DDT salvou vidas, e isso foi feito infligindo danos colaterais facilmente aceitos. Em tempos de paz, no entanto, os efeitos negativos do DDT em insetos benéficos, aves e peixes mereciam uma consideração renovada. A National Geographic meramente mencionou isso; outros eram mais diretos. Quando o Conselho de Produção de Guerra lançou o DDT para venda ao público, advertiu contra o “uso do mesmo para perturbar o equilíbrio da natureza” e acrescentou que, se aplicado às plantações, o DDT deixaria resíduos que também poderiam causar danos aos seres humanos.

Que tipo de dano? O problema era que ninguém realmente sabia. Testes no National Institutes of Health (NIH) e na Food and Drug Administration (FDA) mostraram que em animais de laboratório o DDT pode causar tremores, danos ao fígado e morte. Da variedade de animais testados em 1943 e 1944, os macacos pareciam mais resistentes aos efeitos do DDT, e os ratos menos. O DDT suspenso em óleo provou ser mais tóxico que o pó de DDT, e os líquidos em que o DDT foi dissolvido (como o querosene) muitas vezes pareciam mais tóxicos do que o próprio DDT. O que era preocupante, segundo o farmacologista do FDA, Herbert O. Calvery, era que a quantidade de DDT necessária para produzir sintomas de toxicidade não tinha uma correlação clara entre as espécies; em algumas espécies precisava de muito pouco, enquanto em outras era necessário mais. O problema foi ainda mais complicado pelo fato de que, quando pequenos animais ingeriam pequenas quantidades de DDT ao longo do tempo, desenvolviam sintomas de envenenamento normalmente associados a uma dose única e grande. Calvery concluiu que, embora fosse extremamente difícil dizer quanto DDT era seguro para os animais ou seres humanos ingerirem, o nível seguro “crônico” – ou contínuo – de exposição ao DDT “seria realmente muito baixo”.

As preocupações de Calvery apareceram no final de um longo relatório “restrito” sobre inseticidas emitido pelo Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico em 1944. Um boletim do Departamento de Guerra divulgado no mesmo mês alertou contra a pulverização de DDT em bovinos, aves e peixes e em águas que possam ser usadas para consumo humano. Também alertou os soldados contra a exposição ao óleo com infusão de DDT em sua pele ou poeira de DDT em seus pulmões, e os encorajou a não permitir que o pesticida “se misturasse” com os suprimentos de cozinha. Ao mesmo tempo, o inseticida de aerossol de todo recruta era substituído por DDT, e os soldados eram instruídos a borrifar ou pulverizar seus colchões e refeitórios, latrinas e quartéis, abrigos, enfermarias e até seus uniformes. As advertências e avisos anexados aos memorandos do exército sobre o DDT renderam algumas medidas de autoproteção: soldados encarregados do destacamento do DDT receberam o equipamento de proteção que Materi mais tarde viu na equipe que entrou em sua casa. O DDT era um veneno, mas era seguro o suficiente para a guerra. Qualquer pessoa prejudicada pelo DDT seria uma vítima aceita pelo combate.

Se o DDT era prejudicial aos seres humanos, os métodos pelos quais ele causava danos não eram mais claros na paz do que no combate. Apesar de tudo, com o passar do tempo, a segurança do DDT parecia ser sem precedentes. No outono de 1945, milhões de pessoas entraram em contato direto com o DDT – em Nápoles, no norte da África, no Pacífico, mesmo em todo o sudeste dos Estados Unidos, onde o produto químico era pulverizado em casas na tentativa de derrotar os últimos vestígios da malária. Ninguém apresentou efeitos negativos. Os poucos envenenamentos por DDT humanos pareciam ser casos isolados associados a ingestão maciça, como aquele entre um grupo de prisioneiros de guerra do povo Formosano famintos que confundiram o DDT com farinha e o usaram para assar pão. Nenhum morreu, embora aqueles que comeram mais pão sofreram danos neurológicos duradouros.

Mas esses casos causaram pouco alarme. O DDT foi lançado para venda pública no final de 1945, numa época em que os inseticidas eram comumente conhecidos como “venenos” (ou por profissionais como “venenos econômicos” por sua capacidade de preservar os lucros agrícolas). Inseticidas introduzidos na segunda metade do século XIX para a agricultura comercial frequentemente continham cobre, chumbo e arsênio, e na primeira metade do século 20 era bem conhecido que os resíduos de inseticidas em frutas e vegetais podiam intoxicar e até mesmo matar consumidores desafortunados. Essa reputação era regularmente reforçada por casos divulgados de envenenamento: mulheres de Illinois adoeciam com espargos que foram borrifados; uma garota de Montana envenenada por frutas pulverizadas; intoxicações em Los Angeles remontavam a resíduos excessivos de arsênio em repolho, pera, espinafre, brócolis e aipo. Houveram também os trágicos acidentes associados ao aumento da presença de venenos contra pragas na vida cotidiana, como a morte de 47 pacientes em um hospital de Oregon, onde veneno contra baratas foi confundido com leite em pó.

Rachel Carson usando um microscópio
A bióloga marinha e conservacionista Rachel Carson, ca. 1962. (Fonte: Biblioteca Rara de Livros e Manuscritos Beinecke, Universidade de Yale)

Em vez de se distanciarem dos sprays venenosos, no entanto, na Segunda Guerra Mundial, mais e mais consumidores americanos os levavam para casa comprando na loja da esquina. Enquanto os americanos plantavam as ‘hortas da vitória’ para cultivar seus próprios alimentos, acumulavam coleções tamanho família de venenos agrícolas, incluindo arseniato de chumbo, arseniato de cálcio, sulfato de nicotina, bicloreto de mercúrio e pó de Bordeaux, uma mistura de sulfato de cobre e cal. “Todo jardineiro com mais de um mês de experiência”, observou um escritor de revistas na primavera de 1945, agora tem “uma combinação de pós e soluções tão letais quanto um arsenal”.

Inseticidas, por definição, eram venenos, e os consumidores estavam acostumados a pensar neles como tal, apesar de sua crescente onipresença. O DDT apresentava assim um paradoxo inigualável. Parecia evitar muitas das desvantagens dos velhos inseticidas: insetos não precisavam comê-lo para morrer, mas simplesmente tinham que entrar em contato com ele; continuava matando por meses depois que foi aplicado; e matou uma variedade extraordinária de insetos em doses muito baixas, tudo sem causar nenhum dano detectável às pessoas. Mas para cada característica que o diferenciava dos inseticidas anteriores, ainda era uma substância destinada a matar. Então, como os consumidores receberiam garantias da segurança do DDT nos folhetos do governo, artigos de notícias e anúncios que cantavam suas maravilhas?

Uma resposta foi rejeitar tais alegações, como vários jornalistas e legisladores fizeram no primeiro ano do DDT no mercado consumidor. Quando o pesticida foi lançado pela primeira vez para venda, funcionários do estado em Missouri emitiram uma advertência formal contra ele, citando perigos desconhecidos para as plantas, animais e seres humanos. Minnesota proibiu sua venda, New Jersey a restringiu, e a Califórnia e Nova York emitiram decretos exigindo que produtos contendo DDT tivessem a caveira e os ossos cruzados, indicando ser um veneno perigoso. Esta última abordagem preocupou os funcionários do FDA e do NIH. Se as pessoas aprendessem com a experiência que o DDT poderia ser tratado com menos cautela do que venenos conhecidos como estricnina e bicloreto de mercúrio – o que certamente poderia – perderiam o respeito pela caveira e pelos ossos cruzados como um sinal de perigo.

Enquanto os estados se esforçavam para regular o DDT, os jornalistas lutavam para reconciliar advertências e promessas. “Não se engane com isso. O DDT em quantidade suficiente é um veneno ”, anunciou uma revista doméstica. Claro, matou baratas, mas “o DDT presumivelmente também poderia mandá-lo para a morte”, relatou outro. “DDT: Manuseie com cuidado”, anunciou outra publicação, que passou a dizer aos leitores que o DDT em quantidades substanciais “atacaria os centros nervosos e o fígado” e que pequenas quantidades consumidas com o tempo poderiam “se acumular no corpo em uma dose fatal.” Afinal, observou um escritor, isso é exatamente o que o consumo de chumbo e arsênio podem fazer. O DDT, “aquele núcleo de tempestade de prós e contras”, precisava ser tratado “tão respeitosamente quanto o arseniato de chumbo”, escreveu outro. A suposta segurança do DDT era uma das coisas mais empolgantes, mas era também uma das mais difíceis de acreditar.

Então, quando Dorothy Colson viu aviões pulverizando DDT sobre terras adjacentes à fazenda de sua família, foi fácil para ela conectar o pesticida aos problemas que de repente não diminuíam. Nos anos que se seguiram à guerra, Colson lançou uma investigação obstinada sobre o DDT, escrevendo para agências, fabricantes e organizações estaduais de todo o mundo. A literatura que ela acumulou sobre o pesticida indicou que ele pode ser prejudicial aos seres humanos, mas não ofereceu provas conclusivas de que era. E quanto mais especialistas ela questionava, mais ela era informada de que o DDT salvara acima de tudo incontáveis ​​vidas em todo o mundo, ao mesmo tempo em que nunca prejudicava uma pessoa.

demonstração de aplicação do DDT
Soldados do Exército dos EUA demonstrando equipamento de pulverização de DDT. A Organização Mundial de Saúde afirmava que o inseticida impediu a morte de 25 milhões de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial. (Fonte: Centros de Controle e Prevenção de Doenças)

Mas a pesquisa de Colson revelou muitas evidências de que o DDT era prejudicial a outros seres vivos, especialmente as abelhas. Para ela isso era motivo suficiente para se preocupar. Como ela escreveu para um oficial de saúde do estado, “qualquer veneno forte o suficiente para matar ou prejudicar as abelhas é certamente forte o suficiente para afetar as pessoas”. Os efeitos do pesticida sobre as abelhas e outros insetos benéficos preocuparam os cientistas federais desde a introdução do DDT. Eles notaram desde o início (como a National Geographic relatou) que o DDT era mortal para as abelhas, borboletas, pequenos peixes e répteis e, em concentrações suficientemente altas, pássaros e pequenos mamíferos. A morte de polinizadores levaria a pomares infrutíferos e a campos de cultivo estéreis. Como um relatório do Serviço de Saúde Pública dos EUA observou, “existe um equilíbrio delicado na biota de cada ambiente, e é essencial determinar até que ponto o DDT perturba esse equilíbrio”. A Associação Americana de Entomologistas Econômicos concordou que o “uso em grande escala do DDT pode criar problemas que não existem atualmente”. Até mesmo a fabricante de DDT, Monsanto, alertou que “o perigo inerente ao uso indiscriminado do DDT como uma cura para todos é muito real”.

Essas preocupações de especialistas não eram segredo. Os jornais informaram que o novo produto químico era uma ameaça à natureza. (Produtos químicos agrícolas mais antigos, como o chumbo e o arsênico, geralmente só recebem espaço na imprensa quando envenenam pessoas.) O DDT matou insetos benéficos e teve o potencial de “eliminar patos e gansos”, “paralisar” ovelhas, “queimar” plantas e provocar explosões populacionais de algumas pragas, eliminando seus predadores naturais. No estado natal de Colson, o editor de temas agrícolas do [jornal] Atlanta Constitution e apresentador de programas de rádio, Channing Cope, escreveu sobre sua experiência em testar o DDT em sua propriedade.

As histórias que contamos repetidamente, como a do DDT, explicam como chegamos ao presente e apontam para um futuro esperado.

“O DDT vai matar as abelhas e isso significa que vai matar o trevo, o que significa também que vai matar o nosso gado”, avisou. “Isso destruirá as plantações de frutas que dependem das abelhas para a polinização! Ele matará a maioria das flores pela mesma razão e acabará com muitos de nossos legumes ”. Ele concluiu, ameaçadoramente, que o DDT “tem o poder de nos arruinar”.

Mas Cope tinha outras observações para compartilhar também. O pesticida havia eliminado os insetos que importunavam suas mulas, vacas leiteiras, cães escocêses, gato e porco; e parecia impedir que os insetos entrassem por rachaduras e fendas em suas janelas e paredes. Embora sua desvantagem fosse inegável, ele escreveu que o DDT também era uma “ótima ferramenta para nossa melhoria”.

A ambivalência de Cope capturou a da nação como um todo. Apesar de sua apreensão, os americanos estavam enamorados com as maneiras pelas quais o DDT prometia melhorar a vida na fazenda e em casa. Não sendo molestado por insetos, o gado leiteiro produziu mais leite e novilhos produziram mais carne. Baratas desapareciam dos armários, formigas do açúcar, percevejos de colchões e traças de tapetes. Até mesmo as moscas suspeitas de portar pólio pareciam levar a doença com elas enquanto desapareciam. As vendas de DDT continuaram a subir, mesmo quando os Colsons e os Copes se esforçavam para entender os danos causados ​​pelos produtos químicos. E assim a nação avançou, ainda ambivalente: a produção de DDT aumentou dez vezes para mais de 45 milhões de quilogramas no início da década de 1950 (a grande maioria usada na agricultura).

Mas os medos não desapareceram. Na primavera de 1949, as manchetes em todo o país levaram a notícia de que o DDT havia entrado no mercado de laticínios do país e que o “veneno lento e insidioso” estava se acumulando em corpos humanos. No ano seguinte, e pelo resto da década de 1950, o DDT se tornou um foco de audiências no Congresso sobre a segurança do suprimento de alimentos. O cientista do FDA, Arnold J. Lehman, testemunhou que pequenas quantidades de DDT estavam sendo armazenadas na gordura humana e se acumulando ao longo do tempo e que, ao contrário dos venenos mais antigos, ninguém sabia quais seriam as consequências. O médico Morton Biskind compartilhou sua preocupação de que o DDT estivesse por trás de uma nova epidemia, o chamado vírus X (uma epidemia posteriormente atribuída ao naftaleno clorado, um produto químico usado em lubrificantes para máquinas agrícolas). Fazendeiros que se abstinham de pesticidas, como Louis Bromfield, testemunharam que simplesmente não conseguiam atender à demanda de safras sem pulverização da Heinz, Campbell, A & P e outras empresas – todas elas próprias tentando atender às demandas dos consumidores preocupados com pesticidas em geral e, especificamente, o onipresente e bem divulgado DDT.

No momento em que Rachel Carson detalhou o dano do DDT a falcões, salmões, águias e outras formas de vida selvagem em Silent Spring, um bom número de americanos exigiu mais informações sobre os efeitos nocivos do inseticida durante quase duas décadas. E até hoje não é assim que falamos sobre o passado do DDT. Em vez disso, contamos a história de uma substância química cujos poderes eram tão inspiradores que ninguém pensou em suas desvantagens – pelo menos não até serem reveladas por um cientista renegado. É uma narrativa que deu aos americanos um herói para o final do século XX, uma cientista e escritora inteligente e corajosa o suficiente para enfrentar o establishment e vencer. É uma história sobre o poder dos movimentos sociais para refazer a sociedade para melhor. E é uma história de uma nação reformada, capaz de deixar de lado a arrogância da razão.

zika no brasil
Infecções por zika em mulheres grávidas podem resultar em seus filhos nascerem com defeitos congênitos, incluindo cabeças anormalmente pequenas, como visto nesta criança brasileira. A disseminação do Zika reacendeu o debate sobre se o DDT deveria voltar a ser usado. (Fonte: Associated Press)

Como sociedade, usamos narrativas para organizar nosso passado compartilhado em um começo, meio e fim. As histórias que contamos repetidamente, como a do DDT, explicam como chegamos ao presente e apontam para um futuro esperado. O DDT foi proibido nos Estados Unidos em 1972, um desenvolvimento amplamente creditado a Carson e ao movimento ambientalista que ela ajudou a inspirar. Mas em relatórios recentes sobre o Zika – e em debates menos recentes sobre a malária em países em desenvolvimento – um novo final para a história do DDT tomou forma. Nesta versão dos eventos, existe uma maneira responsável de usar o pesticida e uma potencial necessidade dele quando se trata de controlar as doenças mais intratáveis ​​transmitidas por insetos. Nesta versão, nossa implantação considerada do DDT nunca repetiria os erros do passado, especialmente o uso excessivo do pesticida na agricultura. Neste novo final, os especialistas de hoje são mais esclarecidos do que seus correspondentes históricos; sua especialidade decorre, em parte, da aprendizagem de erros do passado e, com essa sabedoria, eles determinam os limites apropriados no uso de tecnologias poderosas.

Talvez. Não posso prever o futuro, mas posso dizer que essas narrativas competitivas sobre o DDT ilustram um problema do passado: quando nós, como coletivo, lembramos nossa história compartilhada, selecionamos e escolhemos o que aconteceu para construir nossas grandes narrativas de nação e identidade. Ao fazê-lo, descartamos as peças que não se encaixam e chegamos a acreditar que existe apenas um único passado verdadeiro. Se essa maneira de contar histórias é uma inevitabilidade humana, então talvez devêssemos aprender a reconhecer as formas pelas quais a memória seletiva molda muitas das narrativas que nos dizem quem nós pensamos que somos.

Texto escrito por Elena Conis.

Traduzido por Prof. Dr. Luís Roberto Brudna Holzle ( luisbrudna@gmail.com ) do original ‘Beyond Silent Spring: An Alternate History of DDT’ com autorização oficial dos detentores dos direitos. Revisado por: Kelly Vargas.

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